Nota técnica – Fase 10

ANÁLISE SOBRE A REABERTURA DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO EM SITUAÇÃO PANDÊMICA: O CASO DO IFSULDEMINAS

A fase 10 das pesquisas do GEPLAN publicada recentemente, busca investigar algumas variáveis relativas à organização do processo de volta às aulas presenciais nos municípios do Sul de Minas Gerais. A análise focou nos pressupostos territoriais relativos ao processo de volta de aulas presenciais no ensino técnico, tecnológico e superior nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, com foco para o caso do IFSULDEMINAS. Foi estabelecido como critério os dados relativos à origem dos alunos da instituição e sua relação com a região de influência de cidades. Como resultado, tivemos o diagnóstico que indica as interações espaciais e as redes de fluxos de pessoas como essenciais na análise de reabertura para aulas presenciais. Por fim, o trabalho adverte para o risco de reabertura precipitada que pode ter como decorrência o agravamento da situação de pandemia nas cidades que acolhem os campi da instituição. Para conferir o trabalho dos pesquisadores na íntegra, clique aqui.

O IFSULDEMINAS e sua territorialidade

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais – IFSULDEMINAS oferta cursos técnicos integrados ao Ensino Médio, subsequentes (pós-médio), especialização técnica, Proeja, graduação, pós-graduação e cursos na modalidade de Educação a Distância (EaD). A Reitoria está estrategicamente localizada no município de Pouso Alegre e interliga toda a estrutura administrativa e educacional dos campi, de acordo com a Figura. 1.
A prestação educacional agregou programas de graduação, pós-graduação, pesquisa e extensão à oferta regular de cursos técnicos. São 73 cursos técnicos (EaD e presenciais), 38 cursos de graduação, 14 especializações (lato sensu – EaD e presenciais), 2 mestrados profissionais (stricto sensu). A instituição também oferta cursos de Formação Inicial Continuada (FIC), Pronatec e MedioTec. São 549 docentes, sendo 90% mestres ou doutores. São 1.122 servidores, entre docentes e técnicos administrativos.

Localização dos campi do IFSULDEMINAS.

Em 2008, o Governo Federal deu um salto na educação do país com a criação dos Institutos Federais. Por meio da Rede Federal, 31 centros federais de educação tecnológica (Cefets), 75 unidades descentralizadas de ensino (Uneds), 39 escolas agrotécnicas, 7 escolas técnicas federais e 8 escolas vinculadas a universidades deixaram de existir para formar os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.
Depois de longas negociações e discussões, sempre mostrando o potencial promissor da Região, nasceu, assim, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais – IFSULDEMINAS, que atualmente, também possui campiem Passos, Poços de Caldas, Pouso Alegre e campi avançados em Carmo de Minas e Três Corações, além de núcleos avançados e polos de rede em diversas cidades da região. Ressalta que por isso a instituição tem grande relevância para a região sul de Minas Gerais, levando a educação técnica, tecnológica e superior para muitas cidades além dos campi já estabelecidos.
Dessa maneira, temos uma organização dispersa em uma razoável capilaridade, conformando uma rede disposta nos principais pontos da rede urbana do Sul de Minas Gerais, como mostra a Figura 2.

Localização dos Campi do IFSULDEMINAS e sua relação com a rede urbana do Sul de Minas Gerais.

Observa-se que os campi do IFSULDEMINAS estão localizados nas cidades de maiores hierarquias da rede urbana no Sul de Minas Gerais. Com exceção de Varginha, os campi estão localizados nos centros polarizadores e de maiores fluxos, o que revela uma lógica de espraiamento e capilaridade na região. Além disso, a rede capilarizada facilita o deslocamento de alunos de outras cidades da região e fora dela. Destaca-se ainda que essas relações, em muitos casos, estão para além da região Sul de Minas, chegando com bastante intensidade ao estado de São Paulo e outras regiões do estado de Minas Gerais.

Temos, portanto, a apreciação da importância territorial do IFSULDEMINAS para o desenvolvimento local. Consideramos ainda que, por conta disso, é imprescindível a análise dos fluxos mobilizados pelas diversas estruturas correlacionadas com o Instituto, uma vez que a reabertura com aulas presenciais mobiliza uma série de fluxos com destino às cidades que abrigam os campi.

Fluxos territoriais e capilaridade do IFSULDEMINAS

Propomos neste item analisar os fluxos de alunos que se dirigem ao IFSULDEMINAS. Os fluxos são os elementos centrais que alimentam os fixos territoriais (SANTOS, [1996] 2020). Geralmente estão associados aos sistemas de transportes que configuram o que podemos classificar, segundo Contel (2001), como sistemas de movimento.
São os sistemas de movimento que organizam o processo de circulação e, portanto, no caso da análise de doenças virais promovem o contato e contágio entre as cidades. Nesse sentido, podemos afirmar que a relação entre sistemas de movimento, circulação e difusão de doenças virais estão intrinsecamente articulados, em especial, no caso da transmissão da COVID-19, com o sistema de movimento rodoviário, ou seja, com os principais fluxos que perpassam as rodovias da região.

Em resumo, podemos sintetizar que uma difusão acompanha os seguintes estágios dos quais todos os processos acima são tributários:  1º Difusão Hierárquica, 2º Difusão por contágio; e 3º Difusão por realocação (ou aleatório). Entre estes estágios devem ser consideradas as escalas geográficas pela qual o fenômeno transita e é difundido. Seguindo Hagerstrand (1967), podemos aferir que esses processos ocorrem em diversas escalas (local, regional, nacional) e, acrescentamos por nossa conta, que, no atual período, interage a escala global. Portanto, devemos somar a esses processos uma análise escalar, sem a qual é impossível analisar os processos de difusão.
A centralidade das cidades que acolhem os diversos campi são justificadas pela centralidade que ocupam na rede sul mineira, como demonstramos acima na Figura 2. Ressalta-se aqui a diversidade dessas interações que devem ser apreciadas mais de perto, uma vez que defendemos que a reabertura para aulas presenciais deve levar em conta esses elementos de integração.

A capilaridade dos campi do IFSULDEMINAS é justificada pela distribuição geográfica: na porção leste encontram-se campi nos municípios de Passos, Muzambinho e Poços de Caldas, enquanto na porção sul estão situadas a sede em Pouso Alegre e o campus de Inconfidentes. Na porção central está instalado o campus de Machado e, por fim, na região oeste observa-se os campi de Carmo de Minas e Três Corações.  A distribuição contempla de forma integralizada as extremidades da região Sul de Minas Gerais. Tal fato, corrobora com os riscos anunciados de uma reabertura precipitada. Apresentamos, na Tabela 1, as relações de origem dos alunos dos campi com maior número de discentes.

Tabela 1 – Campi IFSULDEMINAS e Principais Municípios Origem de Estudantes

Campus Machado
MunicípioQuantidade Alunos
Paraguaçu
Poço Fundo
Carvalhópolis
95
45
45
Campus Passos
MunicípioQuantidade Alunos
Itaú de Minas
Alpinópolis
64
60
Campus Três Corações
MunicípioQuantidade Alunos
Cambuquira
São Bento de Abade
96
21
Campus Carmo de Minas
MunicípioQuantidade Alunos
São Lourenço
Olímpio Noronha
167
21
Campus Pouso Alegre
MunicípioQuantidade Alunos
Alfenas
Boa Esperança
Congonhal
107
101
54
Campus Poços de Caldas
MunicípioQuantidade Alunos
Botelhos
Alfenas
145
134
Campus Inconfidentes
MunicípioQuantidade Alunos
Ouro Fino
Borda da Mata
451
127
Campus Muzambinho
MunicípioQuantidade Alunos
Guaxupé
Boa Esperança
Alfenas
Nova Resende
Monte Belo
307
192
192
169
151
Fonte:  Autores (2021).

Figura 3 – Mapas dos fluxos de alunos do IFSULDEMINAS por campi da instituição

O fluxo de alunos pelos campi é disperso e capilar, conforme observado na Figura 3.
Por fim, é possível concluir que a distribuição e fluxo de alunos, fruto dos campi IFSULDEMINAS, dá luz à movimentação de estudantes ao longo de toda região do Sul de Minas. Todavia, em um cenário pandêmico, que vivemos ao longo dos anos de 2020 e 2021, esses fluxos podem se apresentar extremamente preocupantes, uma vez que uma reabertura precipitada pode agravar a situação pandêmica nessas cidades, além do evidente risco à comunidade acadêmica. Diante disso, passaremos a analisar como essas interações que demonstramos devem ser levadas em consideração, assim como suas decorrências e possíveis consequências. Por fim, faremos uma análise de medidas que cremos serem necessárias e que se levadas em conta garantem uma reabertura coerente com a segurança e bem estar das populações das cidades dos campi e da comunidade acadêmica.

COVID-19, circulação e reabertura

            Nossa proposta, neste item, é analisar a situação da COVID-19 nas cidades as quais provêm os alunos do instituto. Para tanto, apresentamos a Figura 4, onde analisamos a situação pandêmica das referidas cidades em 19 de junho de 2021. Os dados obtidos referentes ao contágio e morte pelos vírus foram obtidos pelas secretarias de saúde estaduais dos respectivos municípios.

            Para as análises delimitamos a apreciação das cidades de Muzambinho, Inconfidentes e Poços de Caldas. Isto porque são esses campi que atraem um maior número de estudantes de longas distâncias. No caso de Muzambinho, o campus tem alunos de 222 cidades. Destas, 14 têm situação crítica (com mais de 50.000 casos confirmados) referente aos casos de COVID-19. Vale também ressaltar que essa classe de municípios se refere, em grande parte, a centros urbanos da região sudeste, como a cidade de São Paulo, Belo Horizonte, Campinas, Ribeirão Preto, Santos, Guarulhos, Santo André, além de municípios como Cuiabá, Goiânia e Curitiba. Concomitantemente ao número de contaminados pelo vírus, ainda pode-se observar outro fator preponderante à contaminação pelo fluxo desses alunos. Dezesseis municípios que dão origem a alunos ao campus de Muzambinho encontram-se na classe mais crítica (com mais de 15.001 mortos) referente ao maior número de mortos por COVID-19. Além de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte e demais centros do sudeste brasileiro, ainda estão nessa classe os municípios de Paulínia, Juiz de Fora, São Bernardo do Campo e Franco da Rocha.

Mapas da situação de COVID-19 dos três campi com maiores fluxos de alunos do IFSULDEMINAS em 19 de junho de 2021.

Conforme analisado e discutido neste item, a análise dos fluxos mostra a origem dos alunos e dessa forma nota-se, por exemplo, que o elevado fluxo tem o potencial de elevar o número de casos de contaminação e óbitos por COVID-19. Por exemplo, no caso do campus de Inconfidentes, Campinas dá origem ao segundo maior fluxo de alunos (com sete estudantes) e essa cidade tem o maior índice registrado tanto por contaminação quanto mortes pelo vírus nesse cenário – com 3.339 mortos e 84.236 contaminados. Os casos de Alfenas, Limeira e Itapecerica da Serra corroboram para o elevado fluxo atrelado à disseminação do vírus, uma vez que todos estão entre os 15 municípios que mais fornecem alunos ao campus, estando presentes na classe considerada elevada no tocante à contaminados e mortos pelo vírus.
Muzambinho apresenta um cenário semelhante ao de Inconfidentes. Os municípios de Ribeirão Preto e Campinas possuem 6 e 7 alunos respectivamente que se deslocam a esse campus para estudar (se configurando entre os 20 municípios de maior número de estudantes) e, como citado anteriormente, suas taxas de contaminação e morte por COVID-19 estão enquadradas na fase crítica. Além destes, Varginha contempla 79 estudantes deste campus, com elevadas taxas de contaminação e óbitos pelo vírus.
O último caso, referente ao campus Poços de Caldas, é disforme se comparado aos outros dois. Embora nenhum município com estado crítico de contaminação e óbito tenha uma quantidade elevada de estudantes presentes no IFSULDEMINAS, alguns dados valem a pena destacar. O município de Alfenas possui 134 estudantes deste campus, enquanto Araçatuba e Pouso Alegre possuem 34 e 36, respectivamente. Em todos os casos, o número de óbitos ultrapassa os 100 (150, 652 e 338, nesta ordem) atrelados também a uma elevada taxa de contaminação pelo COVID-19.
Um último elemento a ser considerado é a forte relação de novas variantes da COVID-19 relacionadas a difusão por meio do sistema de movimento rodoviário. Em estudo realizado pela UFMG foi identificada a ocorrência recente de muitos casos da variante Gama (anteriormente reconhecida como variante P1). No total o estudo caracterizou 1198 amostras o que possibilita a detecção de variantes circulantes com frequência superior a 0,5%. As análises, que tiveram início em março de 2021, mostraram que a variante Gama é a mais presente em Minas Gerais, sendo encontrada em 74,12% das amostras analisadas. No Sul de Minas Gerais destacamos as regiões de saúde de Pouso Alegre, Varginha, Alfenas e Passos.

Conclusão

Temos, portanto, que a análise feita mostra elementos de suma importância que apontam para um planejamento rigoroso e detalhado de reabertura dos campi do IFSULDEMINAS e que também podem servir de parâmetro para outras instituições de ensino tecnológico e de ensino superior. Nossas reflexões apontam para a necessidade de se atentar não apenas para a situação pandêmica da cidade que abriga os campi, mas também e talvez com maior preocupação, as cidades de origem dos alunos, uma vez que essa medida pode ser crucial para evitar novos surtos ou espalhamento de novas variantes da doença.

Por fim, algumas medidas de controle sanitário, para além dos próprios protocolos internos das instituições, são imprescindíveis, tais como, testagem em massa, rastreamento de contatos e isolamento de suporte. Todos esses elementos, naturalmente, exigem do poder público investimentos, que apesar de onerosos são essenciais para uma volta segura. “Se há real atribuição de valor ao funcionamento presencial das escolas, isso deve estar refletido no investimento feito para que essa retomada aconteça. A simples reabertura, com baixo investimento em todos os aspectos envolvidos, significa que o preço das falhas no modelo protetivo é transferido para os profissionais e para as famílias das crianças—com as novas variantes, possivelmente para as crianças” (USP, 2021). Tais elementos certamente promovem uma volta segura que preserve a vida e nos dê condições de recuperar o tempo perdido por meio da educação de qualidade.

Confira os mapas da pesquisa! Clique nas imagens para ampliá-las.

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